Caminhando,
pelas paredes do quarto até a sala de estar. Seguia a linha e observava a luz
contornando a sombra dos móveis. Desde pequena até os longos anos que agora me
encontro sentia o vazio como um sino de igreja, com aquele som arrebatador e
suave, com necessária força para soar.
Do quarto que
tinha e dos cômodos que percorria pouco me lembro, mas das sensações que ali
encontrava e que só o meu mundo entendia, vejo claramente, como em um sonho
fresco do despertar.
Da
janela do meu quarto eu via aquela menina, um ponto longínquo e ofuscante, que
me fazia parar. Caminha parece que dança, olha parece que fala, sorri parece
que canta, e assim, me descobria paralisada e imóvel percorrendo o ar
procurando um aroma para marcar esse momento único que tantas vezes se repetia,
e que, cada vez mais único tornava-se.
Quantas
vezes parei, na janela do meu quarto, só pra te ver passar, quantas vezes
deixei minha vida de lado para o momento único da janela do quarto.
Todas
as festas e datas comemorativas que preferia deixar passar, e como refúgio,
para a janela do quarto voltava a olhar.
Podia
descrever qual era à sombra de cada detalhe que via da janela, a qualquer hora
do dia, em todas as fases da lua. Era ali que me alimentava, era ali que
adormecia.
Aquela
menina era o contraste das coisas que lá então permanecia. Ela não era como o
cachorro da vizinha que hora ou outra latia, não era como a água da piscina que
sempre derramava, mas nunca ficava vazia e também não era como o carteiro que
dia sim, dia não, aparecia. A menina era algo mais, algo mais do que os carros
que passavam, algo mais do que as crianças que brincavam, algo mais do que os
jardins que floriam. Era da janela do quarto que buscava algo mais e era algo
mais que a menina trazia.
Depois
de muitos carnavais e natais percebi como a janela do quarto estava vazia. A
minha menina, o brilho dos dias, já não aparecia.
Descobri
que todos os detalhes que tinha e tudo que ali existia era apenas enfeite da
menina. Até a janela do meu quarto, que antes me trazia alegria, morria com a
ausência da menina.
Hoje
olho pela janela e não vejo as coisas que antes via. Agora procuro a menina
olhando no espelho e não mais pela janela vazia, e vejo que não tinha.
A
janela do quarto, mórbida e sombria, o espelho nada mais do que possuía.
***